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sábado, 12 de maio de 2012

Filmes: "Gangues de Nova York"

NOVELÃO SANGUINOLENTO

Scorsese mostra que a América foi construída sobre o binômio sangue e violência, mas no final tenta louvar tudo isso. Onde está a coerência?

- por André Lux, crítico-spam

Ao final das intermináveis 2 horas e 40 minutos de projeção do filme de Martin Scorsese GANGUES DE NOVA YORQUE chegamos à conclusão que o diretor parece ter tentado dar um panorama da "construção" dos Estados Unidos, mostrando a dura realidade das ruas de New York do século 19, onde nativos e imigrantes matavam uns aos outros em nome do ódio e do preconceito racial. Tudo bem, mas qual a novidade nisso? Já estamos "carecas" de saber que o United States of America é uma nação imperialista, desenvolvida e baseada em torno de ideais de conquista, manutenção da honra a qualquer preço e intervenção em territórios alheios. Se alguém duvida é só dar uma olhada nos esportes mais populares daquele país: o baseball e o futebol americano, ambos de conquista de território.

O roteiro é baseado num livro escrito em 1928, o qual Scorsese sempre admirou e sonhou transformar em filme. Sonho que durou praticamente 30 anos, até que finalmente conseguiu financiamento para torná-lo realidade. Gastou então três anos de sua vida entre filmagens e pós-produção (o lançamento foi adiado por causa dos atentados de 11 de setembro), mas o resultado final está longe de impressionar ou mesmo causar maior impacto. A história do conflito entre as gangues que dominavam o submundo da cidade poderia até tornar-se interessante, caso o diretor não tivesse criado uma sub-trama envolvendo morte, vingança e redenção - que fazerem parte da base da cultura estadunidense e são, como sempre, louvados nas telas.

Tudo começa quando o líder da principal gangue formada por irlandeses, o "Pastor" (Liam Neeson, sub-aproveitado), é morto durante um confronto violento pelo chefe dos auto-proclamados "nativos", um certo Bill "Açougueiro" (personagem que, ao que parece, existiu mesmo). Tudo isso é testemunhado pelo filho do morto, que anos mais tarde (e já na pele de Leonardo Di Caprio) volta ao local em busca de vingança. Ele infiltra-se na gangue do seu inimigo e acaba por conquistar sua amizade e confiança. Há também a inserção de um "triângulo" amoroso desencontrado envolvendo o Açougueiro, o jovem vingativo e uma prostituta-ladra mas, é claro, de bom coração (Cameron Diaz). Mas ele é tão mal desenvolvido e inócuo que poderia muito bem ter sido descartado, sem prejuízos.

Ou seja: a história em si é puro cliché digna de novelas mexicanas, só que regada a litros de sangue, violência e pretensão. Mas isso não seria tão grave caso o diretor Scorsese não perdesse tanto tempo com detalhes inúteis à trama (como mostrar o envolvimento de políticos no caos reinante), que acabam transformando o filme em uma salada indigesta de gêneros, particularmente ao tentar traçar um paralelo entre a narrativa principal (a vingança) e os acontecimentos históricos pelos quais passava o país na época. No final a bagunça é tanta que chegam ao cúmulo de inserir legendas do tipo hiper-texto, deixando tudo ainda mais confuso. Há também uma narrração em off que tenta em vão situar o espectador no meio de tanta informação e vai e vem de nomes e localidades. Só mesmo um professor de história dos EUA vai poder entender tudo que se passa na tela.

Contudo, o filme é destruído mesmo pela maneira superficial e caricata com que os personagens são apresentados, o que impede qualquer identificação ou aprofundamento de suas personalidades ou dramas. Todos agem como figuras unidimensionais, sem qualquer emoção ou humanidade. Di Caprio não compromete, mas não tem força nenhuma para segurar o papel. Diaz está visivelmente perdida, sem ter o que fazer num personagem tolo e incoerente. Mas o pior mesmo é Daniel Day-Lewis como Bill "Açougueiro". O grande ator de AS BRUXAS DE SALEM e A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER perde-se totalmente numa caracterização que beira o grotesco e numa atuação totalmente afetada, sem qualquer verdade. Às vezes chega a passar a impressão que está debochando do filme. O bigodão postiço e a cartola gigante que usa também não ajudam em nada, deixando-o com um visual absolutamente ridículo. O roteiro ruim também não dá maiores chances para o personagem, que hora é pintado com um monstro sanguinário, hora como um homem nobre e honrado, hora com um louco desvairado, que chega ao cúmulo de arrancar um de seus olhos só por ter desviado o olhar do inimigo que o derrotou!

Existem qualidades no filme, é claro, como a cenografia de Dante Ferreti, que impressiona ao reconstruir em estúdio (na Itália) um bloco inteiro da cidade, e a fotografia cheia de contrastes de Michael Ballhaus, mas é só. Outro fato que chama a atenção é a incompetência do diretor, que não conseguiu imprimir nada de mais signficativo em sua obra, nem mesmo criou cenas de impacto ou esteticamente exuberantes (que são o seu forte). Tudo é filmado e encenado de formas medíocres. Há também um exagero de pessoas passando de um lado para o outro nos cenários, como se para preencher todos os vazios da tela. Parece até parada da Disneylandia, tamanha a quantidade de extras fantasiados com roupas da época perambulando nas ruas e tabernas.

O filme também conta com uma trilha musical desconexa e, por vezes, irritante (especialmente no início), repleta de músicas pré-existentes (algumas de Howard Shore) que foram colocados no filme sem muita preocupação com a lógica ou com qualquer desenvolvimento temático - e pensar que o diretor dispensou a música original que o grande Elmer Bernstein havia composto!

Todavia, o que mais incomoda é o final, durante o qual tenta-se fazer uma grande apologia à suposta grandeza dos EUA, que, segundo o diretor, é devida à vida e à morte daquela gente miserável que permeia o seu GANGUES DE NOVA YORK. Mas isso soa completamente falso e descabido, ainda mais depois de toda a imundice, traição, racismo extremo e desonestidade que vemos na tela. Ou seja, por um lado o diretor quer mostrar a forma terrível como os EUA foi construído, mas no final tenta louvar isso. Mais desconexo e incoerente, impossível.

Martin Scorsese é considerado por alguns cinéfilos mais exaltados com um dos últimos gênios do cinema ainda em ação. Pode até ser. Realmente, fez ótimos filmes como TAXI DRIVER, OS BONS COMPANHEIROS e O REI DA COMÉDIA. Mas mesmo os gênios erram, como errou no desprezível CABO DO MEDO ou no chatíssimo A ÉPOCA DA INOCÊNCIA. Infelizmente, GANGUES DE NOVA YORK é somente mais um desses erros.

Cotação: * *

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